Telmo Alcobia
Reflexos Pandémicos
16 Set – 7 Out 2021
2021: COM SABOR A 80’S por Tatiana Santos*
O ano de 2020 deu ao mundo uma pandemia. Nada de novo na história da humanidade, mas novo para uma geração sensível, isolada de afectos e apenas ciberneticamente conectada. A Covid19 obrigou os cyborgs, que funcionavam em piloto automático, a travar. A virar os holofotes para dentro. A parar de ver o reflexo no espelho e nas selfies, reflectindo sim sobre a própria existência e propósito. Se, para algumas pessoas, isso foi um desafio bem-sucedido, para outras, foi o maior drama das suas vidas. “A pandemia vai unir-nos” – diziam uns. “A bondade de cada um irá vir à tona” – acrescentavam outros. Mas não aconteceu. O vírus recolheu as pessoas no interior das suas cidades, que as recolheu no interior das suas casas, que as recolheu no interior das suas conchas psíquicas. O que veio à tona foi egocentrismo, foi paranóia, foi “conspiritualidade”. O que veio à tona foi desarranjo, em muitos casos e descompensação. O mundo dividido em partes, cada uma com as suas teorias. Desconfiança crescente. Novos Satãs. Novos Anti-Cristo. A ciência tornou-se alvo a abater, com a mesma paixão e convicção com que se derruba um infiel numa qualquer facção ortodoxa religiosa.
Telmo Alcobia, é um nome a reter na Arte Contemporânea nacional. Os seus trabalhos de Arte Urbana mostram-nos influências da Pop Art, Street Art, Neo-realismo e Figuração Narrativa. A inspiração em nomes como Keith Haring é marcante, não apenas no estilo sinalético que funciona como a sua assinatura, mas também nos temas socialmente e politicamente controversos sobre os quais debruça o olhar artístico. Já com presença marcada um pouco pela Europa, Telmo Alcobia assume-se politizado e isso é notório na crítica social que tece a cada olhar sobre a realidade. Nascido e criado no seio dos anos 80, viu no seu grafismo e nas suas bandas-desenhadas o empurrão que precisava para começar a criar. Pelo mundo, explodiam então rebeliões e gritos sócio-culturais. A SIDA descobria-se e encapotava-se. A política caminhava – ainda – de braço dado com a religião numa promiscuidade sem “protecções”. A comunidade negra, asfixiada, pedia ajuda. As mulheres, social e profissionalmente encurraladas, não tinham ainda a voz que procuravam. Entretanto, passaram quatro décadas e o discurso poderia ser o mesmo. Vive-se num solo minado por racismo e misoginia estruturais. Vivem-se conspirações ao jeito de “V – A Batalha Final”.
E o que mudou desde os 80’s? Telmo Alcobia, mergulhado nessa visão, retracta a vida como ela é, olhando pelo prisma do menino da década de 80 que via – e ainda vê – o mundo a revolver à sua volta, sem justiça, cheio de desigualdades e discriminação. O seu tom político está bem patente em cada uma das suas telas, cheias de cor, que nos parecem transportar para um belo mural, numa qualquer rua norte americana de há quarenta anos. Há qualquer coisa de artisticamente nostálgico no trabalho de Telmo Alcobia. Talvez essa capacidade de nos transportar para o início dos “gritos” que a nossa geração ouviu, o início da rebelião pela cor e da arte urbana, de todos e para todos, na rua. Caminhar por entre as suas telas, é como caminhar numa rua onde se ouvem as minorias clamar pêlos seus direitos. Onde se sente a opressão. Onde se vê a injustiça.
“Reflexos Pandémicos” mostra-nos este lado politizado, cáustico e atento do artista, que nos permite – em 2021 – criar um paralelo com 1981. Os confinamentos, o isolamento, a desorganização interna e externa de cada pessoa, o medo, a revolta, a dúvida, a paranóia dão o mote a esta exposição de Telmo Alcobia.
Tatiana Santos – Psicóloga Analítica, Investigadora em História, Compositora