do Banal ao Sublime

O JARDIM OCULTO DAS IMAGENS

Maria João Fernandes*

 

e quando luz e sombra, sempre unidas,
celebrem núpcias íntimas (…).

Novalis

 

Na atual exposição de Ana Lima-Netto que reúne os seus trabalhos mais recentes, desenhos a grafite, tinta-da-china, lápis e aguarela e objetos de parede, com inclusão do ready-made afirma-se, a par do perfeito domínio do desenho, verdadeiramente um estilo próprio, em marcha desde a sua exposição de 2013: “Retratos do Silêncio”. A artista foi progressivamente deixando a figuração que passou por uma fase de um neo-expressionismo surrealizante para se encaminhar numa contenção formal de sugestão figurativa e cosmológica para a expressão que hoje nos apresenta, na proximidade de uma “família” de Mestres do desenho onde se incluem artistas como Jorge Martins ou Fernando Calhau.

Numa gramática subtil de linhas, texturas e tessituras o que verdadeiramente se tece no trabalho de Ana Lima-Netto é o diálogo entre o visível e o invisível, diálogo fundador da arte. É entre o visível e o invisível que se situa esta aventura, que é a própria aventura do pensamento humano e da criação. Como todo o criador Ana Lima-Netto tem a intuição do essencial do seu percurso que nas suas palavras se situa no cruzamento da filosofia e da poesia. Entre dois polos antitéticos o que considera o “banal” e o “sublime” evolui na sua perspetiva uma linguagem que pretende equacionar “a relatividade dos conceitos que construímos e aqueles que armazenamos e que nos levam a ver as “mesmas coisas” de maneira diferente consoante os condicionamentos do momento.”

A relatividade é não apenas a da visão, mas a do pensamento e em pano de fundo de ambos, ou nas abissais raízes da sua profundidade, na oceânica ordem oculta do imaginário está o magma, o território obscuro onde o artista se aventura, à descoberta de um domínio inexplorado do qual ele é sempre o primeiro a desvendar os inumeráveis sortilégios e os invioláveis segredos, eterno fascínio da arte.

No precioso rigor da expressão do traço de Ana Lima-Netto, o desenho torna-se a própria pele do visível, a sua realidade conceptual e sensível e a verdade não está na síntese de ambas, mas no próprio progredir desta gramática do silêncio e da suspensão, na capacidade de escrever frases de um alfabeto sem letras e sem nomes mas onde cintila a própria luz da obscuridade, o brilho de um mistério indiviso do ser, do tempo e do espaço.

Da maior realidade, os materiais do quotidiano que nas suas pinturas objeto prolongam a tradição do ready-made de Marcel Duchamp, Ana Lima-Netto cria o horizonte irreal de uma proximidade e de uma distância infinitas, une os polos da vida e da não vida, da luz e das trevas e suas metáforas, na estrela de um negrume iluminado, verdadeira substância do real mais real da poesia.

 

*Poeta e Crítica de Arte, A.I.C.A. Associação Internacional de Críticos de Arte.