REGINA FRANK: CAMADAS RITUAIS
De múltiplas e delicadas camadas é composto o trabalho de Regina Frank.
As suas origens remontam a 1989, à prática da pintura e da gravura combinada com a performance ritualizada. Depois, em 1992, em workshops por si organizados para John Cage, Joan Jonas e Marina Abramovic, esta vertente foi poeticamente ampliada pela prática da performance do bordado ritualizado. A leveza do adorno e do têxtil transmutaram-se num vestido que envolve o busto da artista, aberto em enorme tela redonda na qual se acumulam da pintura ao textil, da comida à escultura, da interacção com o espectador de várias partes do mundo que pode ou não nela deixar o seu testemunho.
Esta interacção ampliou-se com a internet e a preocupação com os desastres ambientais e o perigo da insustentabilidade, num diálogo com os espectadores de várias partes do planeta.
Camadas de histórias de civilizações antigas se acumulam aqui, revisitando saberes antigos e ciências actuais, construindo diálogos que se podem transmutar em formas de mandala ou adquirir diferentes expressões, da pintura à tapeçaria, evocando vitrais antigos, construindo uma linguagem de equilíbrio e redescoberta que a recente pandemia, naturalmente, também afectou.
As duas exposições individuais simultâneas que decorrem no Museu Nacional de História Natural e na Galeria António Prates demonstram um trabalho de intensa dedicação desenvolvido entre 1991 e 2021.
Enquanto o Museu se foca na Ciência Silenciosa, trabalho desenvolvido pela artista nos últimos três anos, compondo, acrescendo, colando a sua pesquisa científica e espiritual pessoal na forma de vastas tapeçarias e uma instalação na Sala Química Analítica, a exposição na Galeria apresenta os Lados Silenciosos da artista, a sua prática de atelier e o corpo de trabalho desenvolvido durante os dois confinamentos da pandemia. Aquela provocou o retorno da prática inicial da pintura: traços espontâneos, caligrafias, usando tinta japonesa, pintura em acrílico, óleos e até telas centenárias revelam um universo simultaneamente pessoal e cósmico, onde música e silêncio, ciência e espiritualidade, se justapõem. As suas elaboradas tapeçarias, reunindo diversas fontes solares de inspiração, constituem uma paisagem plena de soluções ambientais dispostas em torno de uma singular e esfíngica figura. Todos os seus outros trabalhos são pinturas, por vezes bordadas a fio, outras vezes a preto e branco com cor discreta, ou com cor explosiva de alegria. Outras pinturas são de natureza têxtil, recorrendo a vestidos da filha cosidos a seda bordada, adquirindo relevos delicados.
Esta dualidade poética da exposição e da dicotomia público – privado tem sido constante no percurso colectivo da artista, transmutada nestes tempos pandémicos suspensos em possível resposta para a sua ultrapassagem através de uma metamorfose inerente à prática da performance induzida em ritual meditação colectiva.
Ela será reforçada na performance que a artista retomará na própria montra da galeria, na silenciosa lentidão do gesto, quase imperceptível, que é o deste tempo suspenso em que nos encontramos, e nas possíveis respostas para a sua ultrapassagem.
Rui Afonso Santos